Entrevista: conversamos com o psicoterapeuta e autor de sucesso sobre privacidade, redes sociais, propaganda, perfis fake, marcas e individualismo.
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O Dr. Flávio Gikovate é médico psiquiatra e psicoteraupeuta, autor de 30 livros publicados, alguns também em inglês, italiano, espanhol, árabe e francês, que já venderam quase 1 milhão de exemplares.
Ele tem o dom de escrever sobre assuntos sérios em linguagem coloquial e atualmente apresenta o programa No Divã do Gikovate, na rádio CBN, com participação do público. Veja mais sobre ele no fim do texto.
Para o profissional de comunicação e marketing, que trabalha com marcas e relacionamentos, ele nos ajuda a compreender as mudanças que estão acontecendo e como as pessoas reagem a elas de forma geral.
- Do ponto de vista psicológico, a propaganda tem o poder de manipular alguém ou apenas influencia?
- Acho que pode manipular e interferir na criação de novos desejos. Temos desejos inerentes à nossa biologia e a indústria produz bens de consumo nem sempre tão necessários e trata de acoplá-los aos desejos naturais, especialmente os de natureza sexual.
Interferem sim nos gostos, anseios e pretensões das pessoas. Nem sempre isso acontece na direção de produzir uma qualidade de vida mais gratificante.
- O século 21 está se notabilizando pelo fim da privacidade pessoal. As pessoas são vigiadas ou monitoradas dentro das empresas, dos edifícios, das lojas, dos restaurantes e em quase todos os lugares, até mesmo nas ruas. Quais os efeitos disso em seu comportamento? Como você vê o futuro? É o grande irmão de George Orwell que chegou ou está chegando?
- Acho que as pessoas estão muito pouco preocupadas com a perda de privacidade: o maior problema é que as pessoas estão preferindo se exibir e não querem mais qualquer tipo de intimidade maior que passe pela comunhão de segredos.
A maior parte das pessoas conta espontaneamente suas vidas nos Facebook e similares: como diria S. Bauman (sociólogo inglês autor de “A modernidade líquida”), as redes sociais são uma espécie de BBB ou revista Caras privativo; em seu Facebook cada um é celebridade para seus “amigos”. Estamos entrando em outros tempos, mas principalmente por força do exibicionismo predominante e não tanto por causa das câmeras de segurança, estas também cada vez mais necessárias.
- Você não acha que as pessoas que estão “preferindo se exibir” são uma minoria?
Acerca de ser uma minoria aquelas que querem se exibir cabe dizer que no Facebook existem 600 milhões de pessoas, quando são 2 bilhões os que estão na internet. Assim, não são minoria de jeito nenhum.
- O número de perfis fakes no Brasil é um dos maiores no mundo inteiro. O que leva uma pessoa não ser ela mesma na internet?
A maior parte das pessoas é sincera na internet. É claro que existem as que mentem, mas elas também o fazem na vida real. Acho que a internet reproduz as propriedades dos humanos de forma idêntica ao que se vê na vida real. O universo virtual e o real se parecem.
- O marketing vive de inovação e vem surgindo uma tendência Love Marcas 3.0, com pessoas com necessidade de se emocionar e profissionais preocupados em criar um laço afetivo com o consumidor, através das redes sociais ou por uma campanha na TV. O mundo está carente?
- O mundo moderno é muito mais individualista e as pessoas não estão preparadas para isso. O próprio fim da vida privada acaba por esfriar as relações de amizade verdadeiras e tornar todos os elos muito frouxos. As pessoas estão perdidas, deprimidas como nunca, usando drogas e álcool como nunca. Estamos indo mal e todo o mundo está rindo, não sei bem do quê!
- O marketing pessoal está cada vez mais presente na vida das pessoas através das redes sociais. O que você acha das empresas que começaram a usar o Twitter e o Facebook no seu processo de seleção? Você acha que através do perfil social de uma pessoa é possível traçar um perfil psicológico?
- Acho que pode ajudar sim. São novos meios de comunicação que estão indicando muito das características de cada pessoa. Porém, não creio que isso venha a substituir a entrevista pessoal, sempre mais abrangente.
A grande mudança ocorreu com a mulher
- Nos últimos trinta anos você escreveu 30 livros sobre a vida social, afetiva e sexual. O que mudou na sociedade nestas três décadas?
- O livro “Sexo”, que publiquei em 2010, é o último. Não escreverei mais nenhum. Isso porque as mudanças são lentas e, como regra, andam bem mais devagar do que os nossos pensamentos. Assim, muitos dos conceitos que defendi nos anos 70 acerca do amor passam a ser objeto de reflexão agora e ainda assim por poucas pessoas.
A própria separação que faço entre sexo e amor ainda é aceita por poucos, mesmo entre os profissionais de psicologia. Ou seja, as mudanças são lentas e esbarram em obstáculos intrapsíquicos maiores do que aqueles que eu imaginava. Assim, não adianta avançar demais nos conceitos (eu nem sei se conseguiria fazê-lo!) porque não serão de utilidade.
Assim, dedico-me, no momento, à divulgação do trabalho teórico completo que desenvolvi ao longo desses quase 45 anos de trabalho como psicoterapeuta e mais de 35 anos como escritor. Escrevi e reescrevi meus textos e esses livros são, de fato, talvez uns quatro ou cinco. Agora considero que meu trabalho de produção está completo porque é preciso ajudar as pessoas a avançar naquilo que a gente acredita que já é possível.
Do ponto de vista afetivo avançamos muito pouco. Do ponto de vista de costumes, na aparência há grandes mudanças mas na essência penso que a grande mudança mesmo aconteceu com as mulheres: tornaram-se, de fato, muito mais independentes tanto do ponto de vista financeiro como sexual e emocional. Os homens acompanham mal essa evolução e aí travam o próprio avanço delas, que não querem ficar sem parceiros. Estamos nesse impasse e os próximos anos dirão como é que essa questão irá se resolver.
- O que é inteligência emocional e de que forma uma pessoa comum pode estudar isso? É possível adquirir essa inteligência? Algumas pessoas já nascem com esse dom?
- Inteligência emocional tem a ver com maturidade emocional: é a capacidade de controlar emoções e sentimentos, agir de forma mais racional do que emocional, ter preocupação com os direitos das outras pessoas e também com o sentimento delas (inclusive sua vaidade).
É possível sim aprender a melhor se relacionar com as pessoas sem perder a força pessoal e nem mesmo deixar de cuidar também dos próprios direitos. É fato que algumas pessoas desenvolvem naturalmente essa capacidade de se fazer agradável aos olhos das outras pessoas, enquanto que outras talvez tenham que se preocupar mais com o fato de que aqueles que nos observam de fora nem sempre são capazes de “ler” com propriedade o que estamos pretendendo comunicar.
- Você é um dos poucos psicoterapeutas conhecidos pelo grande público por participar ativamente e assinar diversas colunas sobre o comportamento humano. O que motiva o seu trabalho?
- Sou médico psiquiatra e psicoterapeuta. Escrevi ideias novas e que considero relevantes. Estou “na estrada” há décadas e com um número crescente de seguidores. O que sempre me moveu foi o desejo de divulgar minhas ideias que considero relevantes para o bem estar das pessoas. Meu trabalho principal, como psicoterapeuta, sempre esteve em primeiro lugar e toma a maior parte do meu tempo. É minha vocação maior e minha maior fonte de inspiração. Minha preocupação com a divulgação do trabalho está ligada ao desejo de contribuir para que as pessoas nem sempre portadoras dos meios materiais para se submeter a uma terapia individual possam aprender ao máximo. Não tenho interesses pessoais na divulgação, pois minha clínica privada é cheia há décadas. Talvez uma pequena pitada de vaidade se associe ao genuíno anseio de ajudar as pessoas a se conhecer melhor.
- Na novela Passione você participou como você mesmo. Como foi essa experiência do seu ponto de vista?
- Foi fascinante e muito sofrida. Não sou ator e nem mesmo sei decorar frases que eu ajudei a escrever. O Silvio de Abreu é meu amigo mais querido e não resisti quando ele me convidou. Tive medo, pois arriscava bastante uma reputação que construí dia após dia ao longo dessas décadas. Porém, acredito que o resultado foi positivo e compensador.
- Do ponto de vista do consumo, se você pudesse fazer uma projeção do futuro, como vai estar a sociedade daqui a 20 anos?
- Não creio que se possa saber. Penso que se o bom senso prevalecer haverá uma tendência a que as pessoas se tornem mais seletivas, ou seja, que consumam o que necessitam e também o que desejam muito.
Penso que o consumo de “impulso” tenderá a diminuir por força da diminuição do poder aquisitivo e talvez também em função da maior conscientização de que temos que diminuir a poluição e a destruição do planeta. Tomara que eu esteja certo!
- Será que vem por aí uma versão real do Age of Aquarius com a conscientização global pela saúde do planeta?
- Pode ser que sim, mas penso que é mais que tudo uma vontade das pessoas de bem que isso aconteça. Não há sinais de que isso esteja muito próximo de acontecer.
- Cada vez mais os jogadores de futebol famosos não sabem lidar com a própria imagem. Você participou da era da democracia corintiana e encarou o desafio de comandar o time psicologicamente. Como foi essa experiência? Falta terapia no futebol? Ou estamos cada vez mais preocupados em vender produtos esportivos sem de fato respeitar o atleta como ele é?
- O tema é complexo e é claro que jovens de origem humilde e pouco preparados psicologicamente para o retumbante sucesso que têm e para o volume de dinheiro que lhes chega em idade muito precoce é um problema que tem que ser levado em conta.
Os clubes se preocupam pouco com isso porque é complicado incluir mais esse personagem, o do profissional de psicologia, num grupo onde a liderança tem que ser partilhada entre o treinador e o dirigente do clube. No Brasil, psicologia nos esportes só será a regra caso os clubes se tornem empresas. Essa é a minha visão.
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Flávio Gikovate em 1966 se formou médico psiquiatra pela USP (Universidade de São Paulo) e foi assistente clínico do Institute of Pschiatry na London University, em Londres. Em 1970 teve uma certeza: nunca se filiaria a escolas ou aceitaria doutrinas acadêmicas. Isso não quer dizer, claro, que não sofreria influências de vários pensadores. Sua grande fonte de inspiração como escritor, no entanto, em 43 anos de carreira, têm sido os seus próprios pacientes. Cerca de 8 mil já passaram pelo seu consultório.
Assim como Erich Fromm, Carl Rogers e Erik Erickson, psicoterapeutas e escritores contemporâneos, Gikovate tem tido sucesso em escrever textos sérios em linguagem coloquial. Seus 30 livros publicados já venderam quase 1 milhão de exemplares. Schopenhauer e o filósofo grego Epíteto são alguns dos pensadores que exerceram alguma influência em suas obras e Jose Ortega y Gasset (filósofo espanhol, que morreu no início dos anos 1950) foi quem mais o encantou pela forma simples e clara de se expressar.
Desde o início da carreira, Gikovate dedica-se essencialmente ao trabalho de psicoterapeuta. Escrever foi uma forma de transferir conhecimento e ajudar pessoas a entrar num ciclo de evolução. E faz isso com muito prazer. Em 1977, foi convidado pela revista Capricho para escrever sobre sexo e amor. Em seu primeiro artigo, no auge do lema “sexo, drogas e rock’n roll”, ele já separava sexo de amor.
Em 1979, deu uma entrevista de 11 páginas para a revista Playboy, ao jornalista Ruy Castro. A matéria estarreceu muita gente. De 1980 a 1984, assinou uma coluna semanal na folha de São Paulo, e de 1987 a 1999, uma página mensal na revista Claudia.
De 1982 a 1984, aceitou um convite que gerou grande polêmica na época. Em plena era da democracia corintiana, ele encarou o desafio de comandar o time psicologicamente.
Entre 1991 e 1992 apresentou os programas Canal Livre e Falando de Verdade, na TV Bandeirantes. Seu site recebe dúvidas e questionamentos de pacientes, leitores, admiradores e críticos.